- Home
- Conteúdos
- Entrevistas
- “A mulher pode optar ter o filho ou não”
“A mulher pode optar ter o filho ou não”
Por Equipe Nublog
Médico ginecologista e endocrinologista, Elsimar Coutinho é baiano de Pojuca, tem mais de 50 anos de carreira e 77 anos de idade. Um estudioso do corpo feminino e defensor dos direitos da mulher, Dr. Elsimar desenvolveu o anticoncepcional injetável, brigou com o governo, com o Conselho de Medicina e com a Igreja pelo Planejamento Familiar. Há 30 anos criou o Centro de Pesquisa e Assistência em Reprodução Humana, CEPARH.
O polêmico médico que apoia o direito ao aborto, defende a interrupção da menstruação e o controle da natalidade, recebeu Ilse Adisaka, Joyce Lins e Patrícia Maia para um rápido bate-papo sobre o planejamento familiar e suas consequências.
Segundo ele, os índices de violência na capital baiana diminuíram “graças ao planejamento familiar que a gente faz aqui neste Instituto durante 30 anos e às nossas próprias custas”.
Com a agenda muito apertada, Elsimar Coutinho conversou com o nublog sobre violência, igreja e fez críticas ao governo: “a pessoa vai ter filho para ter dinheiro, para receber o Bolsa Família”.
“Quando é feito planejamento familiar, a mulher tem a oportunidade de não ter o filho que ela não pode criar”
nublog: Qual a principal consequência do Planejamento Familiar?
Elsimar Coutinho: A diminuição da violência. Estava na hora da colheita, 20 anos depois estamos colhendo esse fruto. Salvador saiu da classificação das cidades mais violentas graças ao planejamento familiar que a gente faz aqui neste Instituto durante 30 anos, às nossas próprias custas.
Nos primeiros 20 anos de ação, eu dizia que o benefício palpável seria a diminuição da violência. Isso, porque a violência é provocada por uma pessoa que ainda é adolescente ou que acabou de sair da adolescência; um indivíduo que não tem pai para tomar o revólver que ele guarda em casa e para saber o que ele está fazendo à noite. Geralmente esse adolescente também não tem mãe e quando tem, ela também não tem condições de assumir o controle dele, que geralmente é do sexo masculino e pobre.
Quando a gente faz planejamento familiar, é dada para a mulher a oportunidade de não ter o filho que ela não pode criar, sem ter que recorrer ao aborto. Esse é o objetivo do planejamento familiar.
nublog: Na sua opinião, o que é o aborto?
Elsimar Coutinho: O aborto é uma tentativa de curar. Você prevenir sempre é mais barato do que você curar. O aborto é como uma doença da qual você quer se livrar, é como o filho de um desconhecido que você não pode criar.
nublog: Como o planejamento familiar influencia no controle da violência?
Elsimar Coutinho: No lançamento do nosso trabalho de planejamento familiar, nós fizemos uma extensa campanha nos jornais, utilizando um assaltante, e dissemos: “haverá diminuição da violência”. Eu fui muito criticado, diziam que eu estava discriminando o pobre, afirmando que o pobre é violento, entre outras besteiras. Mas eu fui adiante e as pessoas que acreditaram em mim me ajudaram.
Este prédio onde funciona o CEPARH é particular e foi construído com o dinheiro de pessoas que acreditaram em mim. Construí o prédio e usei uma parte do dinheiro para começar a trabalhar. Durante os 20 anos nós fizemos o Planejamento Familiar.
Quando começamos, Salvador era classificada em sexto lugar entre as cidades mais violentas do país. Em 2004, a cidade foi para o vigésimo segundo lugar no ranking brasileiro. O estado da Bahia, que estava no nono lugar, foi para o décimo nono. A cidade de Feira de Santana, onde eu também fiz um CEPARH, era a cidade mais violenta do nosso estado, e hoje nem aparece na lista das mais violentas. Já Recife foi para primeiro lugar, é hoje a cidade mais violenta do Brasil, passou na frente do Rio de Janeiro e de São Paulo.
nublog: Então, a violência em Salvador diminuiu por causa do planejamento familiar?
Elsimar Coutinho: Nesses 20 anos em que trabalhei com planejamento familiar, evitei três milhões de gravidezes indesejadas. O que aconteceu na Bahia, aconteceu em Nova York também. Eles saíram da violência quando o aborto foi legalizado, porque o aborto fazia o que eu faço com o planejamento familiar. Aquela camada de jovens que ia ser violenta deixou de ser por causa do aborto.
Recife é a cidade mais violenta porque não teve o CEPARH durante 20 anos e também não me teve à frente do CEPARH viajando pelo estado, como eu fiz aqui no estado. Eu viajei pela Bahia inteira fazendo campanha pelo planejamento familiar e levando a minha autoridade de professor catedrático da Faculdade de Medicina para dizer que a pílula e o DIU não dão câncer, para afirmar que a vasectomia não deixa o camarada impotente e coisas desse tipo. Eu fui nas 44 maiores cidades do estado.
“Mesmo que Salvador tenha deixado de ser violenta, vamos continuar fazendo o planejamento familiar”
nublog: A violência tem aumentado em Salvador. O que está acontecendo?
Elsimar Coutinho: Alegam que a violência aumentou nos últimos cinco anos. O estudo estatístico acabou em 2004 e depois desse período eu não tenho nada a não ser notícias de jornal. De lá pra cá são quase cinco anos, um período em que mudou o governo e mudou tudo.
Se nos estados vizinhos a violência aumentou e na Bahia diminuiu, os bandidos têm ido para o lugar onde não há polícia, justamente porque não tem violência. Então, é natural que haja essa distribuição, porque não existe fronteira. Nós não somos um país, somos um estado. As pessoas atravessam livremente. Em Salvador, as drogas como o crack, que não eram tão comuns por aqui, começaram a aparecer, e o planejamento familiar não pode fazer muita coisa com relação a isso.
Mesmo que Salvador tenha deixado de ser violenta e ocupe o penúltimo lugar no ranking brasileiro de violência, vamos continuar fazendo o planejamento familiar, para não chegar aonde Recife chegou.
nublog: Qual é a diferença da família de 30 anos atrás, no início do CEPARH, para a de hoje?
Elsimar Coutinho: No mundo inteiro houve a diminuição no número de filhos das pessoas mais educadas. Antigamente as pessoas mais educadas tinham muito mais filhos do que as menos educadas. Essas famílias ricas eram pouco numerosas, mas eram ricas demais e podiam ter filhos à vontade para dividir a riqueza deles. Aqui na Bahia, por exemplo, tínhamos apenas meia dúzia de famílias que eram ricas, compostas pelos donos de bancos, de fazenda de cacau, os grandes latifundiários de gado.
O número de indivíduos na nossa família diminuiu e isso se deve ao desenvolvimento do anticoncepcional, ao qual eu estou ligado intimamente, porque participei do primeiro anticoncepcional injetável de efeito prolongado. Ele era mais eficiente do que os outros, uma injeção podia impedir a gravidez durante seis meses. Fui eu que descobri, então pude atrair dinheiro para cá, vindo dos grandes investidores em saúde, inclusive da Organização Mundial de Saúde. Isso dá muito prestígio, eu fiquei ligado à OMS durante uns 20 anos da minha vida.
nublog: O senhor é uma das maiores autoridades médicas do país. Como foi o início da sua carreira?
Elsimar Coutinho: Ainda estudante, eu fui professor de química. Comecei a trabalhar com 14 anos de idade num laboratório farmacêutico. Depois, fui trabalhar no serviço de água e esgoto como ajudante na análise de água. Fiz meu primeiro vestibular para Farmácia, passei e fiz o curso. Depois, fiz Medicina e no quarto ano do curso fiz concurso. Passei e fui embora para a Europa. Naquela época um estudante de qualquer universidade que faltasse às matérias durante o ano, tinha o direito de fazer um exame de segunda época em março e se ele fosse aprovado, passava de ano sem ter comparecido a nenhuma aula. Eu fiz isso, me formei e fui para os Estados Unidos. Lá, trabalhei com o descobridor da progesterona, George Corner. Quando voltei para o Brasil, todo mundo me queria, pois não tinha ninguém que tivesse trabalhado com ele. Eu era bem sucedido, médico de clientela, como até hoje. Eu sou o único médico que eu conheço que fez a medicina que eu faço, com a minha idade no Brasil e que atende em seis estados. Pode ser que tenha em outro país, mas aqui não tem.
“Um código de ética que diz que você tem que mentir. Cadê a ética?”
nublog: Porque o senhor se dedicou ao planejamento familiar?
Elsimar Coutinho: Não era para eu estar fazendo isso, eu era um pesquisador, não tinha tempo de cuidar dos problemas sociais da periferia. A minha área de pesquisa era a reprodução humana. Mas, desde o começo, os hormônios me fascinavam e me fizeram ser um cientista. Fui trabalhar na maternidade Climério de Oliveira, onde fui professor. Eu queria saber como funcionava o mecanismo de parto e estava estudando como funcionava o hormônio na mulher. Eu praticamente morava na maternidade. Às vezes nem dormia, era um parto atrás do outro. Fiz uma espécie de especialização em obstetrícia.
Foi aí que eu comecei a conviver com as mulheres pobres que iam parir. Uma das coisas que eu logo aprendi é que elas queriam ir para aquela maternidade para ligar as trompas, pois não aguentavam mais ter filhos. Mas para ligar as trompas era preciso fazer uma cirurgia, então elas imploravam para fazer uma cesariana. Foi esse desespero para não ter filho que me despertou uma consciência social, eu via aquilo diariamente.
nublog: O senhor foi processado pelo Conselho quando descobriu o anticoncepcional injetável?
Elsimar Coutinho: Quando eu descobri o anticoncepcional injetável e publiquei o trabalho, fui processado pelo Conselho de Medicina. Eu estava infringindo um código de ética que foi feito no ano em que eu me formei e, como estudante, eu não conhecida código de ética. Ele dizia: “é vedado ao médico ensinar sua paciente como evitar a gravidez”, ou seja, um código de ética que diz que você tem que mentir. Cadê a ética? Eu fui condenado, apelei para o Federal e fui absolvido, tiveram de fazer um novo código de ética por causa disso, era uma coisa desmoralizante.
“O controle da natalidade era necessário, mas eu esbarrei com o código de ética, com a Igreja e com o governo militar.”
nublog: Quais foram os outros empecilhos que você encontrou durante o seu trabalho?
Elsimar Coutinho: O controle da natalidade era absolutamente necessário, mas eu esbarrei com o código de ética e com a Igreja, que dizia que você não podia usar anticoncepcional e nem camisinha. Eu tive muitas brigas com religiosos. Também esbarrei com o governo militar, que achava que o Brasil precisava de uma população muito maior. Publiquei um livro sobre o assunto “O descontrole da natalidade do Brasil” e escrevi mais de cem artigos sobre isso. Eu ainda fui para a televisão, o que não era permitido para um médico, pois diziam que era propaganda da clientela. Então, fui processado por isso e ia muito ao Conselho. Hoje, o Conselho Federal de Medicina me deu um diploma por ter praticado o exercício da profissão durante 50 anos de maneira ininterrupta, sem nunca ter praticado um ato falho, mas fui processado por eles várias vezes.
nublog: O senhor também ajuda casais que não podem ter filhos, esse número está crescendo?
Elsimar Coutinho: O camarada tem que ser eclético, ajudar a pessoa quando ela quer e quando ela não quer ter filhos. A proporção de casais inférteis nunca ultrapassa mais de 10% da população. Num levantamento que eu fiz aqui na Bahia, a gente não encontrou nem 2%. Sabe por que as pessoas acham que o número é grande? Porque o casal que não consegue ter filhos tem mais visibilidade, só isso. É como o câncer, as pessoas ficam dizendo que está tendo muitos casos de câncer de mama, comentam “tenho uma amiga que teve”, mas eu pergunto: quantas amigas você tem? Quantas mulheres você conhece? A incidência de câncer de mama no Brasil é de 5%, então você tem um risco de vida, se você viver 100 anos. Há uma ilusão justamente por conta da visibilidade.
“A pessoa vai ter filho para ter dinheiro, para receber o Bolsa Família.”
nublog: O que difere a mulher pobre de 20 anos atrás da de hoje?
Elsimar Coutinho: Tem diversos fatores que nem vale a pena falar, porque quando você oferece dinheiro por cada filho, a pessoa vai ter filho para ter aquele dinheiro, para receber o Bolsa Família. A finalidade do Programa não foi essa, mas tem esse efeito, acabou resultando nisso. Já existia isso antes, por cada filho o indivíduo tinha direito a um aumento de salário, mas isso tudo é secundário.
A televisão e à internet, acabaram com as ideologias, porque o pobre pode ter um celular igual ao meu. Então, o que falta? Se ele tem acesso à informação, ele só não usará se não tiver inclinação e nem preparo para isso. Então, esse acesso à informação inclusive acabou com a distinção de classes. Eu acho que quem acabou o comunismo e o fascismo e ainda vai acabar com o terrorismo é a informação, porque uma pessoa informada não é levada a acreditar no cara que está falando com você, você tem informação.
“A Igreja vive da ignorância, da falta de cultura do povo.”
nublog: O senhor trabalha com a vida, com reprodução humana e já teve desavenças com a Igreja. Como é a sua relação com a Igreja hoje?
Elsimar Coutinho: A Igreja não me incomoda mais. Eu os incomodo, mais do que eles a mim. O poder da Igreja está em baixa, ela se desmoralizou muito com os escândalos da pedofilia. A religião está em alta, mas a Igreja não. A Igreja vive da ignorância, da falta de cultura do povo.
Eu acho que a religião é muito necessária pelo menos para amedrontar o povo, para que as pessoas não façam coisas piores. Eu não sou religioso, mas há quem diga que sou muito religioso, justamente por que eu cuido dos outros, mas a minha religião não segue o padrão de nenhuma das religiões estabelecidas.
Eu não acho que um homem igual a mim, com a mesma cultura ou até menos, possa me dizer o que vai acontecer com a gente depois de morrer ou se existe ou não Deus. Tem cada história de Deus… Uma pessoa muito crente, que acredita que tudo está nas mãos de Deus, é perigosa, porque ela pode praticar um crime achando que Deus quer que ela faça.
nublog: Como você se define?
Elsimar Coutinho: Um homem de sorte! Eu pude aproveitar a minha sorte de maneira inteligente e eu devo uma boa parte disso ao fato de ter sido filho de um camarada de quem eu herdei as qualidades que eu uso em benefício meu e dos outros. Tive um pai que foi médico, farmacêutico e professor de medicina e que eu admirava tanto que queria ser como ele, seguir seus passos. Meu pai viveu até os 95 anos de idade e era com ele que eu discutia assuntos científicos. Infelizmente ele foi embora e eu fiquei sem um interlocutor aqui, os meus interlocutores agora estão todos fora do Brasil.
nublog: Quando nós poderemos conferir o seu novo livro?
Elsimar Coutinho: No próximo dia 8, segunda-feira, acontecerá o lançamento do meu décimo segundo livro, “Bahia, menos violência e mais felicidade”, às 18h, na Associação Comercial da Bahia. Aguardo todos vocês.