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Médico que não tem medo da verdade
O polêmico médico que defendeu pela primeira vez a interrupção da menstruação fala dos principais desafios na área de reprodução humana, apóia o direito ao aborto e ao controle da natalidade e aconselha restrições ao sexo na gravidez. Entrevista concedida a Cristine Gentil Da equipe do Correio Braziliense em 06 DE JULHO DE 2008. Todos os meses, numa sexta-feira, Elsimar Coutinho, 78 anos, desembarca em Brasília para uma maratona de consultas que se estende da alvorada até tarde da noite.
Atende mulheres e homens que esperam muitas vezes até dois meses pela primeira consulta, ao preço de R$ 400,00. Reconhecido internacionalmente como um dos mais conceituados especialistas em fisiologia da reprodução e hormônios, desde que se formou em farmácia e bioquimica, dr. Elsimar coleciona tanto títulos quanto polêmicas. Começou a desagradar, inclusive a parte da comunidade médica e a autoridades de saúde, ainda na década de 1960, com a idéia de que a mulher podia passar muito bem sem a menstruação. Pois agradou em igual dimensão, a ponto de conquistar clientes em todo o Brasil, que acabaram por conduzi-Io também ao titulo de médico de celebridades. Pesquisador, professor, membro de dezenas de sociedades médicas e requisitado para palestras e congressos, este baiano de Pojuca trouxe a medicina para a sua vida ainda na infância, quando folheava os livros do pai. Até hoje, não largou o ofício.
Atende em cinco capitais pacientes que buscam combater a infertilidade, a impotência ou os sintomas da menopausa ou andropausa. Também não deixou para trás o gosto por uma boa briga. Nesta entrevista por e-mail à Revista do Correio, critica o que chama de “irresponsabilidade procriativa” no Brasil e a falta de políticas públicas que garantam o controle da natalidade. Mas também deixa um recado importante aos que se chocam com sua vitalidade: “Se puder ficar acordado, não fique dormindo. Se puder ficar sentado, não fique deitado. Se puder ficar de pé, não fique sentado. Se puder ficar andando, não fique parado. Se puder correr, corra”. Uma reportagem da revista Time, no fim de 2007, aponta como um dos maiores avanços da medicina do século 20 a possibilidade de suspensão da menstruação.
O senhor já defendia essa tese nos anos 1960, embora tenha sido bastante criticado. Qual é o peso desse pioneirismo? Fiquei surpreso com o reconhecimento pelos médicos americanos porque, apesar de ter convicção de que mais cedo ou mais tarde isso ocorreria, não pensei que pudesse ocorrer tão cedo. Milhões de mulheres já optaram por essa alternativa que defendo há 43 anos.
Hoje a mulher menstrua mais cedo e pára de menstruar mais tarde. Que impacto isso pode ter para a saúde dela? Quanto mais cedo iniciar e quanto mais tarde deixar de menstruar, maior é o risco para a mulher de cânceres, como o de ovário e o de mama. Também aumenta a incidência de doenças como a endometriose, a adenomiose, a miomatose e as obstruções tubárias. Conseqüentemente, quanto maior o número de ciclos menstruais, maior o risco da mulher tornar-se infértil.
Em quais casos a mulher não pode interromper a menstruação? Existe uma doença denominada hemocromatose que se constitui uma contra¬indicação para parar de menstruar porque as portadoras dessa doença têm excesso de ferro no organismo, o que exige sangrias periódicas.
Ao defender o controle da natalidade, o senhor compra diversas brigas, sobretudo com a Igreja. Como vê as posições contrárias ao avanço científico nessa área?
O meu compromisso é com a ciência e com a razão. Não estou subordinado a nenhuma religião ou seita que me obrigue a obedecer a suas crenças ou preconceitos. Também não estou subordinado a nenhuma ideologia de direita ou de esquerda e, por isso, ajo de acordo com a ciência e a minha consciência. O controle voluntário da natalidade é uma prática benéfica ao indivíduo, à família, à coletividade e ao país, e dele dependem a preservação do meio ambiente e a vida no planeta. Também estimulo e ajudo as pessoas a terem filhos, contanto que tenham a intenção e os meios de alimentá-Ios, protegê-Ios e abrigá-Ios. Desaconselho a irresponsabilidade procriativa, tão comum em nosso país, que interessa aos que buscam um eleitorado maior para se manter no poder. A esterilização é reversível, principalmente a vasectomia. Além disso, a fertilização in vitro tornou dispensável até o ato sexual para quem se arrepende da esterilização.
O senhor já escreveu que a gravidez danifica o corpo da mulher e até que haverá um útero artificial neste milênio. Não é um radicalismo?
É verdade que a gravidez danifica o corpo da mulher e, se não fosse pela enorme compensação que representa ter um filho, nenhuma mulher se submeteria a uma gravidez de nove meses. Se as mulheres pudessem ter o seu filho como as aves, sem deformar o seu corpo, pondo o seu ovo fertilizado em uma chocadeira, certamente o fariam. O impacto de uma gravidez no corpo da mulher é tão grande que algumas delas correm risco de morte ao engravidar. Mulheres hipertensas, diabéticas, portadoras de hemoglobinopatia podem ter suas condições de saúde agravadas irreversivelmente quando engravidam.
Existem mil e um apelos para reforçar a sensualidade e a sexualidade da mulher grávida. O senhor, no entanto, defende que a atividade sexual na gravidez pode provocar aborto ou parto prematuro. Em que condições isso ocorre?
Tanto a manipulação das mamas, que resulta na produção de ocitocina, quanto a deposição de sêmen, que é rico em prostaglandinas, podem precipitar o parto prematuro ou induzir um aborto. A ocitocina e a prostaglandina são poderosas estimulantes da contração do útero e são usadas em medicina tanto para induzir o aborto quanto para acelerar o parto. A relação sexual na gravidez só deve ser permitida levando-se em consideração esses riscos.
O senhor inventou o primeiro anticoncepcional injetável de uso prolongado. Também anunciou há alguns anos que pediria ao Ministério da Saúde a liberação da pílula anticoncepcional masculina. Como ficou essa história?
O primeiro e único anticoncepcional injetável de longa duração foi realmente descrito por mim em 1966 e encontra-se em uso em mais de 40 países, tendo servido como anticoncepcional e supressor da menstruação a milhões de mulheres. Quando descobri que essa progesterona servia para esse fim, procurei tirar patente de uso do produto e fiquei desapontado porque no Brasil nenhum médico que descobrisse um novo remédio podia patenteá-Io. Também sofri um processo do Conselho Regional de Medicina, cujo código de ética proibia o médico ensinar sua paciente como evitar a gravidez. Legítimos tiros no pé. A pílula anticoncepcional masculina teve o seu registro negado pelo Ministério da Saúde. O registro tinha sido solicitado pelo laboratório Hebron. Não me deram satisfação porque foi negado.
O que faz uma cliente de Brasília pagar R$ 400,00 e esperar até dois meses para entrar no seu consultório? Quem é essa paciente?
Eu só atendo pacientes particulares em Brasília uma vez por mês porque atendo também em consultórios de outros estados. Como o número de homens e mulheres que desejam consultar-me é grande, a espera é longa. Os que têm pressa consultam em outro estado em que tenha vaga. Assuntos urgentes são atendidos no mesmo dia por telefone. O preço é alto por causa do deslocamento do médico da sua base (Salvador), onde a consulta é mais barata. A maior parte dos pacientes são mulheres que precisam parar de menstruar, como as portadoras de ovários policísticos, endometriose, miomatose, anemia, tensão pré-menstrual, epilepsia, puberdade precoce etc. Também sou procurado por mulheres e homens que desejam ter filhos mas não conseguem ou encontram-se no climatério e buscam reposição hormonal.
O senhor atende em Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Salvador, e tem também funções acadêmicas. Não é uma rotina puxada para um homem de 78 anos?
A rotina é puxada, mas é rotina. Comecei a trabalhar aos 14 anos de idade como visitador de médico, levando amostras grátis de remédios para os médicos. Não parei mais. Tenho uma disposição irresistivel para trabalhar nessa área da atividade humana que combate as doenças e ajuda as pessoas a viver mais e com saúde. Procuro dar o exemplo mostrando que é possível, faz bem à saúde e prolonga a vida.
Como mantém sua saúde? Exercita-se, faz dieta?
Como moderadamente. No intervalo das principais refeições, merendo, de preferência, bananas; me exercito bastante, correndo 10 km diários, quando possível. Faço musculação e alongamento quase todos os dias.
O senhor é considerado um dos maiores especialistas do mundo em fisiologia da reprodução, hormõnios etc., inclusive na área de pesquisa. A ciência já teve avanços importantes nessas áreas ou ainda há muito o que descobrir?
Na minha adolescência, convivi com ameaça constante de morrer de doenças infecciosas como tuberculose, tifo, meningite, cólera, lepra, pólio e muitas outras que levaram muitos de meus colegas e parentes jovens. Quando entrei para a faculdade, já havia segurança de cura para a maioria das infecções, graças aos antibióticos que começavam a ser desenvolvidos. Morrendo menos e mais tarde, a humanidade passou a se preocupar mais com a reprodução. Os mais pessimistas viam na previsão de Malthus de que vivendo mais tempo e multiplicando-se o número de habitantes da Terra ultrapassaria a capacidade do planeta de sustentá-Ios. A ameaça persiste, mas foi atenuada com o advento dos anticoncepcionais, que deram às mulheres, pela primeira vez na História, a oportunidade de terem uma vida sexual liberada sem o risco de engravidar. Participei intensamente dessa aventura, desenvolvendo inúmeros anticoncepcionais que se encontram hoje em uso. O progresso foi enorme. Creio que 90% do que se sabe na área de reprodução conseguimos nos últimos 50 anos. A fertilização in vitro foi outro salto gigantesco. Mas ainda há muito o que fazer.
Quais os grandes desafios na área de reprodução humana?
Gravidez segura depois da menopausa e gravidez a partir de célula-tronco. Atualmente, há uma discussão grande sobre a origem da vida, suscitada principalmente pelo debate em torno da pesquisa com células-tronco embrionárias.
Para o senhor, a vida começa na fecundação?
A vida começou na Terra há bilhões de anos e vem existindo desde então sob diversas formas. Tanto o óvulo quanto o espermatozóide já são vida antes de se encontrarem. A nova forma que se origina ao se encontrarem só forma um indivíduo quando se multiplica até dar forma a um ser humano ou outro animal, dependendo da sua origem.
O senhor é a favor do aborto? Sempre defendi o direito de uma mulher se fazer abortar. Acho que os europeus e os americanos estão certos assegurando esse direito a suas mulheres. Sei que a decisão de se fazer abortar é dolorosa para a mulher, que só recorre ao aborto por razões imperiosas. A mulher não deve ser punida e sim consolada e amparada. A prática que diminui a necessidade do aborto é o planejamento familiar, que infelizmente não é promovido no Brasil. O aborto hoje é legal em Portugal e no México, o que o torna mais acessível às brasileiras.
O senhor também atende homens. Quais as principais queixas deles? Os homens me procuram ou para tratar de infertilidade ou de impotência.
A andropausa pode atingir o homem da mesma forma como a menopausa atinge a mulher? Sim. Entretanto, nem todos os homens entram na andropausa. Alguns chegam aos 90 anos em plena forma, com níveis de testosterona elevados. As mulheres não escapam da menopausa.
Em que momentos o doutor Elsimar é mais baiano?
Quando estou na Bahia, velejando na Baía de Todos os Santos ou no prédio da Faculdade de Medicina no Terreiro de Jesus, que ainda freqüento como professor emérito e, no momento, como presidente em exercício da Academia de Medicina da Bahia.
O senhor já publicou 10 livros, é membro de mais de 30 sociedades médicas, médico de artistas, requisitado para dar consultorias e participar de congressos médicos. Em resumo, o senhor é uma celebridade. Já dá para deitar sobre os louros da fama ou falta fazer muita coisa?
Deitar sobre os louros não está entre os meus alvos na vida. Costumo passar para os clientes a máxima que adotei há muito tempo, que não me deixa deitar. Eis: “Se puder ficar acordado, não fique dormindo. Se puder ficar sentado, não fique deitado. Se puder ficar de pé, não fique sentado. Se puder ficar andando, não fique parado. Se puder correr, corra.”
Em poucas palavras: O melhor: filhos ou netos? Filhos! Sem eles não temos netos Um lugar que não esquece … Itapuã A melhor crítica que recebeu. Do British Medical Jornal (BMJ) ao meu livro O dinheiro é … Recompensa, é bom tê-lo para poder distribuí-lo Uma tristeza. O serviço público brasileiro