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Menstruar não é natural – Revista Super Interessante
MENSTRUAR NÃO É NATURAL – Aos 72 anos, o médico Elsimar Coutinho vê sua tese em defesa do fim da menstruação ser reconhecida por especialistas no mundo inteiro. © Fernando Vivas Há pelo menos seis anos, quando lançou o livro Menstruação, a Sangria Inútil (Gente), o médico baiano Elsimar Coutinho ficou conhecido em todo o país por suas idéias polêmicas em relação à menstruação. Na época, bastava ligar a televisão para assistir a algum programa de entrevistas e, pronto: lá estava ele aconselhando as mulheres a livrarem-se da menstruação tomando anticoncepcionais sem interrupção.
Lançado nos Estados Unidos com o título bem mais ameno Is Menstruation Obsolete? (A menstruação é obsoleta?), seus textos agora vêm gerando debates em todo o mundo. A prestigiada revista britânica New Scientist dedicou, em março deste ano, quatro páginas para discutir se, de fato, faz algum sentido para as mulheres continuar menstruando – ainda mais quando se sabe que diversas doenças reprodutivas, como o câncer de útero, estão ligadas diretamente ao número de vezes que uma mulher menstruou durante a vida. Considerado um dos maiores expoentes mundiais na endocrinologia da reprodução humana e no planejamento familiar, Coutinho é professor de Saúde Materno-Infantil da Universidade Federal da Bahia e preside o Centro de Pesquisa e Assistência em Reprodução Humana, CEPARH, em Salvador. Aos 72 anos, ele continua sendo um inimigo ferrenho dos médicos que acreditam que a menstruação é um processo natural que não deve ser interrompido. “A mulher não deixa de ser feminina, jovem e fértil quando suspende a menstruação”, diz o médico que, na entrevista a seguir, também fala das principais diferenças biológicas que tornam o homem e a mulher tão diferentes.
SUPER – Por que suspender a menstruação?
A menstruação é uma falência reprodutiva. O resultado é um aborto ovular mensal que espolia a mulher de nutrientes, anticorpos e provoca doenças. Durante o ciclo menstrual, quando a mulher está deitada, metade desse fluxo é drenado das trompas para dentro do abdômen, podendo causar infecções pélvicas e endometriose (inflamação do endométrio, camada de revestimento interna do útero). A atriz Marilyn Monroe foi uma das vítimas de endometriose e, por causa da doença, sentia dores terríveis no abdômen. Ela não tinha prazer no ato sexual e estava incapacitada para ser mãe.
A menstruação é um sintoma do estilo de vida contemporâneo?
As mulheres passaram a viver mais e a menstruar mais. Antigamente, elas tinham a primeira menstruação aos 17 anos, geravam cinco filhos em média, amamentavam cada um por dois anos e, aos 40, entravam na menopausa. Menstruavam então por cerca de oito anos. Hoje, as meninas menstruam aos 11 anos, têm um filho que mama por seis meses e entram na menopausa aos 45. Por isso, elas têm mais chance de desenvolver doenças decorrentes do ciclo menstrual. É o caso da endometriose e da anemia. A tensão pré-menstrual, a famosa TPM, inferniza a vida de 40% das mulheres no mundo e as torna pouco confiáveis numa posição de chefia quando estão naqueles dias.
Então, por que parte dos médicos e das mulheres resistem à idéia do fim da menstruação?
Porque a maioria desconhece essa possibilidade e as suas vantagens. A menstruação ainda está associada a feminilidade, fertilidade e juventude. Prevalece a crença de que, sendo um fenômeno natural e inevitável, a menstruação não pode ser interrompida sem riscos à saúde. Esse pensamento tem mais de 2.000 anos e está baseado nos ensinamentos de Hipócrates e Galeno – que defendiam a sangria como o mais poderoso remédio para quase todas as doenças e acreditavam que as mulheres sangram mensalmente para desintoxicar o organismo. Uma pesquisa publicada pela Organização Mundial de Saúde, em 1983, mostra que 80% das paquistanesas e indianas e 50% das iugoslavas, coreanas, escocesas e inglesas preferem não se livrar da menstruação.
Como mudar esse pensamento?
A rejeição deve diminuir assim que mais mulheres se beneficiarem com a suspensão da menstruação. Isso já acontece com milhares de brasileiras. Quando meu livro for lançado em outros países, a situação deve mudar nessas regiões, como ocorreu nos Estados Unidos.
Existe alguma contra-indicação para a suspensão do ciclo menstrual?
Não, porque a menstruação não é natural. A natureza faz a mulher ovular todos os meses para engravidar. Quando ela menstrua, não está cumprindo o objetivo da natureza, que é ter um filho atrás do outro.
Quais os tabus e preconceitos que envolvem a menstruação?
Desde os primórdios, a mulher era considerada impura durante o seu ciclo menstrual. Nesses dias, ela era mantida em ambiente separado, o que ainda acontece em algumas tribos amazônicas. Menstruar regularmente durante muitos anos era destino daquelas que não conseguiam ter filhos e por isso eram consideradas doentes, rejeitadas pelos maridos e condenadas à prostituição. Plínio, o Velho, o mais respeitado homem de ciências do Império Romano, considerava a descarga menstrual um fenômeno purificador para a mulher – porém perigoso para alguém que entrasse em contato com ela.
Como se suspende a menstruação?
Tomando continuamente anticoncepcionais. Assim, a mulher reduz o risco de ter endometriose, anemia e tensão pré-menstrual. Ela também não ovula, livrando-se de uma gravidez indesejada que pode culminar em um aborto ou na morte. Além disso, diminui suas chances de ter câncer de mama, de endométrio e de ovário.
Por que o senhor diz que não é saudável ser mãe?
Porque a gravidez consome o corpo da mãe e pode até levá-la à morte. A mulher pode ter seu corpo deformado, perder uns dois dentes por gravidez. Também pode haver perda de cálcio e iniciar um processo de osteoporose. Se o parto for normal, ela ainda sofrerá com as incontinências urinária e fecal, difíceis de corrigir. Apesar de danificar o organismo da mulher, dois filhos são o limite para ela conservar a saúde. Neste milênio, as mulheres não mais terão seus filhos na barriga, mas num útero artificial. Já está na hora de fazer filhos sem a necessidade de deformar ou expor a mulher ao sofrimento.
Por que o estudo da anticoncepção só começou na década de 1950?
Demorou tanto porque a sociedade ocidental vive dominada pelos interesses masculinos. Quem deu um basta nessa situação foram as viúvas americanas ricas, que custearam as pesquisas. Até então, as mulheres estavam sujeitas a serem esterilizadas após o terceiro filho, a fazer uso dos métodos naturais de anticoncepção, do aborto e até do infanticídio – que ainda é comum na China. Também estavam sujeitas à morte por infecção decorrente do parto. No começo do século passado, essa complicação era responsável por cerca de 50% de óbitos maternos.
O que impede a aceitação universal dos métodos contraceptivos?
O grande entrave é o nosso relógio biológico, programado pela natureza para a possibilidade de a vida desaparecer em um cataclisma. Por isso, cada homem foi feito como se fosse o último, com potencial para repovoar o planeta. A partir da puberdade, quando o programa reprodutor do homem é ativado pela testosterona, ele gasta o resto da vida correndo atrás das fêmeas para deixar nelas sua semente. Depois do encontro com uma parceira, ele a ignora e vai procurar outra. O objetivo da mulher é o bebê. Por isso, eu digo que o homem foi feito para procriar e a mulher, para amar. Só a racionalidade pode mudar esse estado natural.
Elsimar Coutinho – Professor de Saúde Materno-Infantil da Universidade Federal da Bahia, é casado, tem cinco filhos e sete netos.- Torce pelo Esporte Clube Bahia. – Gosta de velejar pela baía de Todos os Santos e andar a cavalo.