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Planejamento familiar diminui violência, diz Elsimar Coutinho
Jornal Atarde – Salvador/Bahia
Por: Clarissa Borges
A empregada doméstica Veronice Marcelo conseguiu, aos 28 anos, depois de tentar desde os 24 anos, fazer uma esterilização para nunca mais ter filhos. Foi difícil convencer um médico da rede pública de que estava decidida. Apesar de conseguir criar os dois filhos que teve – um deles aos 14 anos – acha que fez a coisa certa, e não se arrepende. São decisões como a dela que o médico e cientista baiano Elsimar Coutinho relaciona à diminuição da violência entre jovens na Bahia entre 1994 e 2004. Ele defende a tese em palestra neste domingo, 3, durante desfile beneficente na Unique Eventos, no Caminho das Árvores.
Para o especialista em reprodução humana, existe uma relação direta entre as ações do programa de planejamento familiar desenvolvidas há 20 anos pelo Centro de Pesquisa e Assistência em Reprodução Humana (Ceparh), instituto que dirige, e a diminuição da violência entre os jovens na Bahia. “O planejamento familiar diminui as desigualdades sociais, porque diminui o abandono e a mortalidade infantil, diminui a violência entre os jovens, aumenta o emprego, as pessoas ficam mais felizes”, resume.
Sobre a violência, o médico se baseia em números da pesquisa Mapa da Violência 2006 – Os Jovens do Brasil. Já sobre as conseqüências do controle da natalidade entre a população pobre baiana, baseia-se na própria convicção. Segundo o estudo, realizado pelo sociólogo Júlio Jacobo Waiselfisz e publicado pela Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, Ciência e Cultura (OIE), a Bahia saiu da 14ª posição em morte violenta de jovens no país em 1994 para a 22ª, em 2004.
Salvador também teve avanço na diminuição de homicídios de jovens: saiu da 6ª para a 19ª colocação no ranking nacional. No período, o número anual de homicídios de jovens no país cresceu de 32.603 para 48.374. Os dados da pesquisa animam Elsimar Coutinho, que usa números de esterilizações feitas pelo Ceparh para justificar sua afirmação. Segundo ele, o número de cirurgias de vasectomias realizadas pelo centro saiu de nenhuma, em 1984, para 489 em 1991. “Uma única vasectomia protege de uma gravidez indesejada um número enorme de mulheres”, defende.
Com a divulgação dos dados do Mapa da Violência, Coutinho encontra eco para as suas afirmações de mais de trinta anos. “O que eu dizia quando iniciei o meu trabalho, agora pode ser comprovado com números”, destaca.
A história de Veronice é comum em um país que tem em que mais de 40% da população é de pobres e indigentes. O diferencial é que ela aprendeu a fazer planejamento familiar com a vida. Vinda de família pobre, tinha em casa o melhor exemplo da falta de controle da natalidade: vivia com 9 irmãos, dos 12 filhos que sua mãe colocou no mundo. “Eu via o sofrimento de minha mãe e me inspirei nisso para não querer fazer o mesmo papel”, diz.
O médico acredita que o mais importante é disponibilizar à população métodos contraceptivos e informação. “Quem não faz o controle da natalidade hoje, em Salvador, é só porque não quer mesmo”, acredita. Nem sempre é tão simples. Fatores como desinformação, miséria absoluta, falta de perspectivas e esperança no futuro, desemprego e até transtornos mentais como a depressão podem levar à total apatia das mulheres que têm vida sexual ativa e não param de ter filhos.
A desempregada Ana dos Santos, 37 anos, acaba de parir o sexto filho, segundo uma conta não muito precisa. “Tive outros que dei para adoção que até já perdi a conta”, revela. Analfabeta, se esquiva de conversar sobre planejamento familiar simplesmente porque “não sabe dessas coisas”. Saber, até sabe. “É, eu sei que no posto dão a pílula”, reconhece.
Questionada se gostaria de parar de ter filho, diz que o marido é quem estimula. “Se ele quer…”, consola-se. Para um país que tem na desigualdade social uma de suas principais marcas – é o 8º no ranking mundial da desigualdade – e principal fator apontado por organismos nacionais e internacionais como causador da violência – o difícil é garantir que a violência se mantenha entre os pobres.
Para a psicóloga maranhense Edna Roland, pesquisadora e militante da causa do racismo contra mulheres negras, as causas da violência não podem ser reduzidas ao descontrole da natalidade. “Os pobres têm muitos filhos porque são pobres, e não o contrário”, pondera. Segundo ela, a pobreza e o flagelo da concentração de renda são anteriores à falta de controle da natalidade entre as camadas mais pobres. “A causa que tem que ser atacada é a pobreza, a expropriação de condições dignas de vida”, pontua.
A pesquisadora lembra, ainda, que o programa de controle da natalidade não deve ser exclusivo dos pobres. “O planejamento familiar é um direito de todos e não devemos pensar em um programa para pobres e um para não pobres, da mesma forma que não existe educação para pobres ou saúde para esse grupo”, critica. Ela acredita que, da forma como é colocado pelo Ceparh, o programa pode gerar equívocos do gênero.
Fundador do Ceparh e professor na área de Reprodução Humana da Universidade Federal da Bahia (Ufba) – apesar da aposentadoria compulsória, continua dando aulas – o médico Elsimar Coutinho defendeu, durante toda a vida acadêmica, posições polêmicas. Uma delas é a supressão da menstruação como grande benefício às mulheres.
Elsimar Coutinho recebeu, durante sua militância pelo planejamento familiar e a esterilização gratuita e ostensiva, duras críticas que o acusavam de racismo e autoritarismo. “Os que diziam que eu era racista eram dos movimentos de esquerda, porque todo mundo sabe que criei um filho negro e que tinha vários negros na minha equipe, que inclusive me defendiam”, diz, exibindo com orgulho uma estatueta em ébano recebida durante missão que realizou no Quênia, na África.
Baseada no código de ética médica, nem a própria classe o poupou. “A classe médica dizia que eu era contra a vida”, revela. Atualmente, a maior oposição ao trabalho do cientista, entretanto, vem da igreja católica. Segundo ele, o trabalho do Ceparh, com palestras educativas sobre anticoncepção que dão à mulher a opção de se informar e decidir, ajuda a atenuar a oposição. Para a igreja, entretanto, o tema continua sendo tabu, e Elsimar Coutinho continua sendo um inimigo.
Em visita oficial de cinco dias ao Brasil, em maio, o papa Bento XVI reafirmou a posição conservadora da Igreja em relação ao uso de preservativos e anticoncepcionais, além de recriminar o aborto e as relações sexuais fora do casamento. O médico, entretanto, não valoriza o adversário. “A igreja já não tem poder para impor o seu ponto de vista”, conclui.
Na palestra que realiza neste domingo, com ingressos a R$ 50 e renda 100% revertida para o Ceparh, Elsimar Coutinho fala, mais uma vez, sobre a importância do trabalho do centro no papel de redutor de desigualdades sociais e, consequentemente, da violência.